Diversidades: A LENDA DO TESOURO DO FAROL

           


Há muito tempo, muito mesmo, no tempo em que os jesuítas ainda habitavam o Brasil, havia diversos deles que passavam por Laguna nas suas idas e vindas para as missões no Rio Grande do Sul, onde a colonização jesuíta era grande e tendia a expandir-se.
Quando veio a ordem de expulsão para os padres, o alvoroço foi imenso. Espertos, eles vinham acumulando durante anos e anos, não somente um enorme número de fiéis, mas também um quantidade considerável de ouro, pedras preciosas e objetos feitos de outros metais preciosos. Construíam pequenos templos por onde passavam e ornamentavam com as relíquias esculpidas por eles mesmos e pelos índios recém catequizados.
Durante algum tempo após compreendida a ordem de expulsão, os religiosos tentaram se esconder, sobrevivendo junto às tribos. A situação foi se tornando difícil, com o cerco sendo apertado em torno deles.
Então, a resolução foi tomada: era preciso partir o quanto antes. Começaram a reunir todas as preciosidades que tinham juntado, pensando já que não valeria a pena deixar tudo aquilo para trás. Mas, como a quantidade era realmente grande, e dado o transtorno de uma viagem às pressas, surgiu o problema de como transportar carga tão pesada.
Tendo formado um grupo de índios servis e jesuítas desejosos de manter o conquistado, deram partida do interior até o litoral gaúcho em busca de uma pequena embarcação lá conservada. Tudo isto com a firme determinação de, costeando as terras gaúchas e catarinenses, alcançar uma embarcação maior que pudesse levá-los de volta à Europa.
Chegando à Laguna, os jesuítas foram percebendo as grandes dificuldades de manter o objetivo definido sem haver um encontro indesejado, com tropas imperiais ou tempestades, situações para as quais eles não tinham como enfrentar.
Assim, desceram nas praias de Santa Marta e montaram lá algumas instalações provisórias. Dias e dias preparando a próxima etapa da grande viagem, fez com que as tropas da declarada caça aos religiosos fosse se aproximando, deixando os jesuítas não em pé de guerra, mas de cabelos em pé.
Acampados nas proximidades do Farol de Santa Marta eles se questionavam, procurando meios de fugir sem deixar vestígios e sem perder a carga tão cuidada. Abandonar a embarcação e embrenhar-se na selva? Voltar para o barco e tentar ir um pouco mais longe? Porém, em tudo havia sempre o problema do tempo e do peso que carregavam com eles.
Com as soluções reduzidas a quase nada, alguém teve a idéia de enterrar o tesouro para que todos pudessem partir rapidamente. Desta forma, eles poderiam se refugiar em cantos diferentes e, mais tarde, regressariam para resgatar os baús enterrados.
A idéia foi aceita de imediato e os jesuítas passaram a correr em busca de um local perfeito para esconder o tesouro. Acabaram por achar que o melhor lugar seria perto da costa, sob uma enorme pedra que ficava bem em frente ao mar.
Lugar completamente desabitado, os jesuítas não tiveram que fazer muito esforço para cavar um fosso profundo quase embaixo da pedra. Ali, colocaram a maior parte das malas que dispunham, com tudo o que havia de melhor entre seus pertences: imagens de santos fabricadas artesanalmente com o mais puro ouro, jóias confeccionadas por eles contendo as mais preciosas pedras brasileiras e objetos de grande valor ofertados pelos índios.
Fecharam com tristeza e ansiedade o buraco. Primeiro, com pequenas pedras, depois com pedras maiores e, por fim, com terra, muita terra, terminando ainda com mais pedras.
Tudo pronto, vinha agora o mais delicado, que era marcar com segurança o local escolhido para que, quando pudessem retornar, encontrassem intacto a carga enterrada.
Foram contados cento e vinte e cinco passos da beira da praia até a pedra. Como as ondas batiam quase em cima, era difícil para qualquer um que viesse a passar por ali, descobrir a façanha. Esperaram anoitecer e partiram.
Alguns foram selva a dentro, tentando chegar até a vila mais próxima. Destes, muitos morreram acometidos por doenças estranhas, as quais eles eram incapazes de curar; outros, foram abatidos por animais selvagens; outros ainda, encontraram a má sorte junto a índios temerosos de serem escravizados.
Daqueles que tentaram sobreviver a mais uma aventura marítima, também foram bem poucos os sobreviventes. Tempestades e tropas imperiais revezaram-se no extermínio.
Foram realmente poucos aqueles que conseguiram chegar a uma cidade.
Um destes, já extremamente doente, chegou a São Vicente e foi recolhido pelo pároco. Aos cuidados do irmão religioso ele conseguiu vencer parte da doença e passou a viver ali.
Foi durante sua estada na vila de São Vicente que ele confiou ao padre a aventura da qual fizera parte, narrando desde o princípio da fuga, contando a maneira como fora enterrado o tesouro. Deu ao amigo padre todas as coordenadas para chegar até lá fazendo um pequeno mapa.
Com o passar do tempo, não tendo o jesuíta conseguido regressar ao sul, a história foi se propagando. Uma noite, o velho padre contou a seus sobrinhos a lenda do velho jesuíta que morrera há alguns anos. E os sobrinhos, mais tarde já pais e mães, contaram a seus filhos e netos a lenda do tesouro. Volta e meia piratas, índios, reis e cavaleiros medievais disputam o lugar de personagem principal da história.
Um dia, já numa região perto da Laguna, um menino ouviu mais uma vez a lenda dos jesuítas. Ele já tinha ouvido umas tantas vezes e a cada vez se mostrava mais interessado. Era seu pai quem contava, num dos raros momentos em que estavam juntos. E contava com tal riqueza de detalhes, que ele podia ver mesmo o mapa na sua frente. Assim, o tempo foi passando, ele foi crescendo e o mapa do tesouro continuou traçado em sua memória.
O menino cresceu, virou homem e, já no entardecer da vida, juntou-se a um amigo e foram até o local contado na lenda. Não mais deserto, o local era agora um vilarejo com várias casas, visitado, e com um imponente Farol. O mar, batendo bem mais abaixo, não permitia fazer os mesmos cálculos para encontrar a pedra. Tinha se tornado difícil encontrá-la, dadas as casas construídas na orla marítima.
Mesmo assim, através da projeção de todos os cálculos feitos cuidadosamente, os dois amigos conseguiram quase que localizar o lugar onde estaria enterrado o tesouro.
Com uma maquininha para detectar metais eles foram seguindo as pistas. Até chegarem a uma propriedade que agora era privada. Na dúvida entre pedir o consentimento para cavar e tentar fazer as coisas às escondidas, eles foram para casa pensar.
Não é possível dizer exatamente quanto tempo se passou desde então. Talvez tivessem passado uns cinco, seis anos. Um pouco mais, um pouco menos. Foi quando fui visitar uma amiga, numa de minhas visitas diárias para estudar e conversar. Estudar com a amiga, ouvir as histórias do pai dela. E, foi numa destas vezes que tomei conhecimento da saga dos jesuítas.
Durante todo o tempo em que ele me contava, fui tragada ao passado sem sentir. O pai de minha amiga tinha aquela simpatia e poder de nos fazer entrar na narrativa.
Quando saí de lá naquela tarde, saí intrigadíssima. Mas as preocupações da adolescência me fizeram esquecer momentaneamente o ouro, os jesuítas e as viagens do passado. Apenas, na minha memória havia se instalado a velha lenda.
Hoje, lembrando de tudo, fico ainda a pensar a respeito. Me pergunto sempre se o pai da minha amiga chegou a voltar lá ou se alguém silenciosamente resgatou o que ele mesmo buscara.
Ou será que ainda estaria lá o tesouro do farol?
Site: Coracional  

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